Regionalização em “strip” (despida de conversa) (1)


DANIEL PALHARES | Economista |


I - Um princípio constitucional fundamental

A regionalização, entendida como a criação de meras regiões administrativas, é indispensável em Portugal por ser um imperativo da Constituição. O artigo 6º diz que o Estado é unitário, mas deve respeitar, entre outros princípios fundamentais, o da descentralização democrática da administração pública.

II - Consequência do Estado centralizador

Mas a indispensabilidade da Regionalização não resulta só, nem principalmente, da Constituição. Resulta sobretudo do fracasso evidente da acção do Estado Central, fracasso amplamente comprovado pelos péssimos resultados, em desenvolvimento territorial equilibrado, de séculos de administração (monárquica, republicana e de Estado Novo) centralizada em Lisboa

O regime pós-Abril de 1974 continuou, no essencial, a manter ou a arrastar ainda mais para a capital, além da administração pública, a nata da administração do sector privado, tudo o que há de melhor na cultura e no lazer, as possibilidades de sucesso profissional no topo e, consequentemente, as opções de residência dos que aspirem aos patamares superiores da Vida.

III – A Constituição é para esquecer

Em matéria de Regionalização a Constituição contém, no Artº 6º, um princípio excelente: o da descentralização da administração pública. Mas o que foi lá metido sobre regiões administrativas, ou é muito pouco, ou é apenas sofrível, ou é péssimo.

Os artigos 255º a 262º (ou seja, todo o capítulo IV da parte que trata do Poder Local) por um motivo ou outro, devem ser retirados. Estes artigos respeitam à forma da criação legal das regiões, à necessidade de referendo, às atribuições e competências das regiões e aos seus órgãos. Algumas disposições podem, contudo, ser aproveitadas.

IV – Riscos

Existe realmente – e merece toda a cautela – o risco de poder conduzir ao desnecessário aumento da despesa pública e ao alargamento redundante da classe política. Mas não podemos deixar que este perigo, convertido em papão, actue como um factor de adiamento perpétuo.

Se o figurino for sério e a contar com esse risco, ele pode ser minimizado.

V – Quem é contra

É sobretudo nas cúpulas das elites (políticas, económicas, financeiras, culturais e outras) que se concentram aqueles que, ainda hoje, combatem e atrasam a Regionalização Isso entende-se. Essas cúpulas têm o poder na mão, centralizado e próximo. Gostam dele e dele beneficiam. As suas carreiras e interesses estão vitalmente centrados em Lisboa, por onde passa tudo o que é importante. (...) Estas são as posições por mero interesse próprio (...).

Outros há que combatem a Regionalização invocando razões aceitáveis e sectorialmente válidas, no plano intelectual ou no dos afectos. Contudo, na maioria dos casos, é possível sentir, por trás da argumentação, que a situação pessoal convive confortavelmente com o centralismo vigente.

Existem ainda – e merecem todo o respeito – posições contrárias à Regionalização que não cabem nestas caricaturas simplificadas. Mas, infelizmente, elas (as caricaturas) representam o essencial do quadro que é contra.

Parece-me ser evidente que a Regionalização é do interesse da grande maioria dos portugueses, a norte, ao centro e a sul. Mas também parece evidente que não é do interesse das cúpulas dos poderes. (...).

(continua)
|GP|

0 comentários: