«O Litoral vai a correr e o Interior a andar»

A Guarda está no “ranking” dos 70 municípios que registam os melhores índices de qualidade de vida a nível nacional e ocupa, no contexto da Beira Interior, a segunda melhor posição.

A conclusão é de um estudo do Observatório para o Desenvolvimento Económico e Social da Universidade da Beira Interior (UBI), que analisou os 278 concelhos do continente.

O município guardense conseguiu escalar 56 lugares relativamente ao anterior estudo, de 2006, ultrapassou a Covilhã e aproximou-se de Castelo Branco.

Nesta análise, intitulada “Indicador Sintético de Desenvolvimento Económico e Social ou de Bem-estar dos Municípios do Continente Português”, baseado nas actualizações ao anuário de 2006 do Instituto Nacional de Estatística (INE), são os concelhos do litoral que surgem no topo da tabela, com Lisboa na liderança.

O primeiro da Beira Interior é Castelo Branco, que aparece no 53º lugar, seguindo-se a Guarda (67º), Gouveia (117º) e Almeida (124º). A Covilhã só aparece na 139ª posição, tendo descido 21 lugares em relação ao estudo de 2006. Outra das maiores quedas na tabela é protagonizada pelo Fundão, que caiu 45 e está no lugar 228.

Em destaque está também o Sabugal, mas pela positiva. O município liderado por Manuel Rito deixou de ser o último de todo o país, sendo agora o 255º. Subiu 23 lugares. Porém, não escapou ao “ranking” dos 30 concelhos com pior índice de qualidade de vida.

«No contexto da região, a Guarda foi a agradável surpresa», analisa o responsável pelo estudo, Pires Manso, ao destacar ainda as subidas de concelhos como Gouveia e Almeida.

No total, foram analisados 15 grupos de
riáveis, divididos em dezenas de subgrupos, que vão desde a cultura à saúde, passando pela economia, educação, ambiente e vias de comunicação, entre outros.

Pires Manso não refere o que levou às subidas de municípios como a Guarda, Gouveia e Almeida e às descidas da Covilhã e Fundão, até porque «implicaria uma análise mais profunda, individual, já que as variáveis são muitas», explica, prometendo que esse trabalho será feito por já
va ter sido solicitado por algumas Câmaras.

No contexto geral, os números evidenciam «a má colocação dos principais municípios da Beira Interior, com as excepções de Castelo Branco e Guarda, que aparecem entre os 70 melhores do país», lê-se no estudo.

O documento diz também que «não seria de esperar, à priori, os bons resultados obtidos por alguns pequenos concelhos nem os maus resultados de alguns municípios que têm por sedes algumas cidades de razoável dimensão».

Quando comparados os dados da Beira Interior com os de outras regiões, «vê-se um país a duas velocidades, no qual o litoral vai a correr e o interior a andar, estando a Guarda e Castelo Branco no meio», completa Pires Manso.

A maioria fica «numa segunda vaga», lamenta o responsável por este estudo – no qual esteve ainda envolvido Nuno Simões, técnico superior economista.

Já os maus resultados da maioria dos concelhos da região devem-se «à desertificação, à saída dos jovens para o estrangeiro e para o litoral e à falta de empregos», indica Pires Manso, para quem a região tem «um longo caminho a percorrer no sentido de proporcionar um maior bem-estar às suas populações».

No entender do investigador, não se trata de «má gestão» por parte das autarquias, estando antes o problema numa «realidade de desertificação e envelhecimento que é difícil ultrapassar em muitos» dos concelhos. No caso das capitais de distrito, são infraestruturas como os parques industriais e os estabelecimentos de ensino superior que «acabam por ajudar na fixação de população», adianta Pires Manso.

in O Interior, 23/07/2009

Exemplos da Decadência do Norte

Aldeia do Cachão ainda é conhecida pelo colossal Complexo Industrial


Três vezes ao dia, o silêncio e monotonia são rasgados pelo apito sonoro. Sonoridades que ressoam nas paredes degradadas e nos edifícios abandonados que já viram melhores tempos. Vestígios de um sonho que, há muito, caiu por terra e foi deixado à deriva.

Contudo, basta uma passagem pelo Cachão, na freguesia de Frechas (Mirandela), para constatar a grandiosidade e imponência das construções que, outrora, formaram o Complexo Agro-Industrial de Cachão (CAIC).

Criada na década de 60, pelas mãos do engenheiro agrónomo Camilo Mendonça (natural de Vilarelhos - Alfândega da Fé) com o apoio do Estado Novo e de Salazar, a infra-estrutura chegou a empregar milhares de pessoas. Pensado para “transformar” a agricultura e produtos transmontanos, particularmente os do Nordeste do País, numa referência a nível europeu e, mesmo, mundial, o CAIC integrava, além de infra-estruturas agro-industriais, um complexo sistema de regadio, que previa a construção de 130 barragens com paredões de terra.

Tudo que se produzia em Trás-os-Montes podia ser “enviado” para o Cachão, onde seria transformado. Castanha, hortícolas, vinho e frutícolas, entre muitos outros, depois de passarem pelo CAIC, entravam nos circuitos comerciais de Portugal, do resto da Europa e, mesmo, da Rússia ou Estados Unidos da América.

Com vista a fixar novos trabalhadores e alojar os que já laboravam no Cachão, construi-se o bairro social, também conhecido por Vila Nordeste, que acolhia mais de 100 famílias.

A par da criação deste empreendimento, foram instalados, também, alguns equipamentos de apoio, como infantário, escola primária, posto médico e centro cultural, entre outros.

Revolução de Abril “ditou” abandono do projecto

Apesar da grandiosidade e riqueza de todas as infra-estruturas a ele associadas, o CAIC entrou em decadência após a Revolução de 25 de Abril de 1974. Contudo, algumas fábricas, bem como as barragens de Alfândega da Fé, Cachão, Carvalheira, Vila Flor, Vilares da Vilariça e Vilarelhos resistiram ao abandono do empreendimento.

A situação económica complicou-se progressivamente, agravada pelo facto de Portugal passar a integrar a Comunidade Económica Europeia e porque a região ficava afastada dos principais e maiores centros urbanos e de consumo, sendo que o transporte e distribuição de produtos eram encarecidos pelas más acessibilidades.

Depois de um lento enfraquecimento económico e financeiro, o CAIC acabou por encerrar, em 1992, altura em que as autarquias de Mirandela e Vila Flor ficaram responsáveis pela administração dos imóveis.

Actualmente, ainda funcionam algumas fábricas no Cachão que empregam cerca de 200 pessoas, mas parte dos antigos funcionários do CAIC viram-se obrigados a emigrar ou procurar trabalho noutros locais da região.

|Jornal Nordeste|