Respira-se o centralismo em todas as coisas. Vem de tão longe que se lhe perde o rasto, e é injusto, porque nascem com isso, culpar as pessoas que fazem comentários como o que origina esta croniqueta. A propósito de uma loja de boas comidas do Porto, presente na rede social Facebook, alguém desabafou: “É uma pena ser lá no Norte!”.
O “Norte” é um conceito centralista, como tantos outros, que, historicamente, nasceram do ponto de vista do poder (o poder régio medieval, que cedo começou a desenhar-se centralista e que centralista se aprofundou com a criação do Estado Moderno, algo que equivale - já vinha de trás, mas estas referências são necessárias - ao reinado de D. Manuel I).
Assim, temos que Ribatejo só faz sentido para que está em Lisboa e vai rio acima, Alentejo não o era para quem lá estava, para os trasmontanos são os do litoral quem está atrás dos montes… e assim com a preguiça mental, claramente nascida e aprofundada nos corredores do poder, que leva essas pessoas referirem-se a Norte como uma coisa indiferenciada onde cabe tudo o que a nenhuma delas interessa.
Dirigem-se ao Porto? Dizem que vão ao Norte, pela Linha do Norte ou pela “auto-estrada do Norte”. De onde diz que é? De Amarante? Isso é lá para o Norte, não é? Vem de Vila Flor? Ah, eu também tenho família lá no Norte, em Ponte de Lima…
Isto poderá parecer contra as pessoas, mas não é. É contra esse fenómeno que as pôs assim, ao longo de séculos, esse mesmo fenómeno que ao longo desses mesmos séculos vem espremendo o país, absorvendo tudo o que de bom ele possa ter, deixando a “província” ao deus dará.
A senhora que tem pena de a tal loja ser “lá no Norte” – e tantas lojas do mesmo estilo haverá lá por Lisboa – é, numa versão mais mundana, alma gémea do historiador Fernando Rosas, que em tempos ser ergueu em protesto por o Centro Português de Fotografia ser instalado no Porto, obrigando os investigadores a deslocarem-se. Ora, embora seja um historiador importante, Rosas mostrou então de que material humano é feito, esquecendo-se, até, de que é a Universidade do Porto a maior do país, tendo muitos investigadores que usam o Centro Português de Fotografia e que, ao longo de gerações e sem reclamações patetas, foram e vão mergulhar nos documentos da Torre do Tombo, “lá no Sul”.
Só faz sentido falar em Norte na medida em essa região existe em função de uma comissão de coordenação e desenvolvimento regional, na medida em que a essa região se reportam muitos indicadores estatísticos importantes, na medida em que se tenha a noção de que ser de Caminha ou de Freixo de Espada à Cinta está longe de ser a mesma coisa.
O mesmo Norte, inventado num gabinete qualquer de alguém que faltou às lições de corografia. Se eu estou em Évora, digo que estou em Évora, se estou em Faro digo que estou em Faro. Não digo que estou no Sul. Nem as pessoas do Sul o dizem, porque nunca o centralismo lhes pôs esse desdenhoso epíteto.
|JN|
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